terça-feira, 27 de setembro de 2011

TUDO POR AMOR AO CINEMA - PRODUÇÃO

Amigos (a),

1996. Cosme se transformou num daqueles astros que brilham na constelação permamente do Cinema. Ele foi no mesmo dia, mês (fevereiro) e ano do seu ídolo Gene Kelly - no rebojo das águas de Yemanjá.

Tudo isso não teria nenhum significado se Cosme, Gene Kelly e a Yemanjá não fizessem parte de metáforas. Cosme nascido no Amazonas, às margens da maior reserva de água doce do planeta, acostumou-se a apreciar o poder das águas: chuvas, temporais, raios e trovões, inclusive brincar e cantar na chuva, aliás não podemos esquecer que do ponto de vista dos simbolismos a ÁGUA representa a "infinidade dos possíveis", mas não é isso o significado dos projetos de um filme?

Ontem, dia 2 de fevereiro, sem ainda ter feito a relação com a data de hoje, finalmente demos o início a produção definitiva do projeto "Tudo Por Amor ao Cinema" em que faremos uma homenagem ao Cosme e ao Cinema. Foram 5 anos de espera, mas é assim mesmo, temos que ter a paciência observada por um poeta manauara... "a maciez do rio após a chuva".

Agora, em processo de produção, meus amigos queridos, estarei a procura de vcs, a procura dos vestígios deixados por esse caçador de imagens. Já estivemos em Salvador, na Jornada do Guido Araujo, agora viajamos para o FEST BRASILIA, depois Mossoró, Manaus, São Paulo, Rio de Janeiro, quem sabe em maio de 2012 estaremos com o filme pronto para fazermos as primeiras exibições aos amigos.

Soldações

O CINEMA E A GEOPOLÍTICA DA BORRACHA - SIMPÓSIO ROGER CASEMENT


O AUTOR E A SUA ÉPOCA

É um desafio intelectual falar sobre esses dois ícones – Silvino Santos (1886-1970), pioneiro do cinema amazônico-brasileiro e Roger Casement (1864-1916), mártir e herói irlandês. Graças a algumas coincidências conseguimos religar fios invisíveis que tornam esses personagens parte de uma mesma sintonia: a borracha amazônica.

Em 1997 realizei um filme-documentário “O Cineasta da Selva“ (The Filmmaker of the Amazon) que é uma cinebiografia sobre este pioneiro do cinema (1). Ao iniciar a produção deste filme desconhecia a relação direta entre estes personagens, mas na medida em que avançava na pesquisa a convergência dos seus interesses coincidiam, mesmo que cada um deles tivesse compreensão relativa sobre os reais motivos em que se encontravam. Por um lado Santos, mantinha como foco quase exclusivo a sua sobrevivência como profissional, enquanto Casement já vinha de um antecedente denunciador das atrocidades cometidas nos seringais do Congo-Belga, era motivado por elaborados e sofisticados princípios éticos e políticos. E não que Santos não os tivesse também, mas em seu caso a ingenuidade do curioso olhar fazia prisioneiro dos argutos interesses geopolíticos da borracha.

O fato é que esses dois personagens lidaram com o apogeu do ciclo econômico da seringueira, dezenas de anos depois nasci e cresci em Manaus - entre os anos 50/60 em plena paisagem agônica da borracha. No meio daquelas ruínas, a minha geração, ainda adolescentes, despertava para a consciência política e existencial do mundo, um dos fatos que nos fazia pensar sobre a nossa região era o episódio do roubo das sementes das seringueiras pelos ingleses, levadas para Kew Garden (Londres) e depois cultivadas no sudeste asiático. Esta era, segundo comentava-se em nosso dia-a-dia amazonense, a única causa da nossa decadência econômica.

E a Amazônia? O quê tem haver com toda essa história?

Com certeza tem muito. Diríamos que a Amazônia faz parte desta curiosa relação da invenção do cinema com a borracha, desde a sua origem o cinema tem forjado um imaginário sobre a Amazônia como parte das idiossincrasias e panacéias da humanidade. As histórias e estórias sobre eldorado, biodiversidade, biopirataria e conflitos diversos das suas riquezas naturais tem servido de inspiração para imaginativos roteiristas, estes a incluem como enredo de todos os tipos de intrigas que fascinam a humanidade, desde monstros pré-históricos, cientistas malucos, intrépidos aventureiros ao sensacionalismo relacionados às questões referentes à preservação ambiental desta região.

Silvino Santos e Roger Casement, sobre eles criou-se um corolário de lendas como um cipoal selvático. O cinema e a borracha colocaram-lhes numa paralela perspectiva causada pelos conflitos dos interesses geopolíticos da economia da borracha. Fez a história que tivesse se encontrado, mas mesmo assim um e outro não ficaram se conhecendo. Estou me referindo ao irlandês Roger Casement, diplomata e ativista político e ao cineasta pioneiro Silvino Santos, cuja produção de filmes documentários sobre a Amazônia é um dos maiores legados da paisagem natural e humana da Amazônia.

O CINEASTA E O DIPLOMATA MILITANTE

Esse inusitado encontro dar-se quando se acirra a disputa pelo monopólio/diversificação da exploração do leite da seringueira, necessária para o grande salto da revolução industrial final e começo dos séculos XIX e XX. A borracha da Amazônia encontrava-se no centro do mundo, mas sob um eficiente cartel controlado pelo império britânico, enquanto que a invenção e a industrialização dos veículos motorizados encontravam-se nos Estados Unidos da America do Norte. Essa realidade servirá como cenário de disputas dissimuladas e outras vezes abertas. Neste sentido o cinema de Silvino Santos e o protagonismo diplomático de Roger Casement é uma conseqüência direta do lado negro desta disputa, sobretudo no que se refere à denúncia de maus-tratos aos coletores (trabalhadores) de látex, principalmente a população indígena. Aliás, um segredo de Polichinelo, toda a cadeia produtiva (da coleta a comercialização) se encontravam coniventes com esses crimes. Mesmo que Silvino Santos e Roger Casement tivessem estado juntos no cenário do polêmico episódio do “rio Putumayo”, um e outro talvez não tiveram oportunidade de trocar palavras, não somente pelo entrave do idioma, mas também por cada um deles estarem focados em transmitir aos seus superiores a veracidade dos relatos sobre os escândalos relacionados aos seringais de D. Julio Cesar Arana. Na página 40 dos inéditos manuscritos (2) de Silvino Santos ele escreve:

“Um dia apareceu lá (o cônsul do Peru em Manaus no Studio de Silvino Santos – N. Autor) e convidou-me para uma visita ao Putumayo para tirar fotografias dos índios, aceitei. Ia ganhar 40 libras ouro e todas as despesas por conta da Peruvian Amazon Company, D, Julio Cesar Arana era um dos grandes acionistas.”

“Havia umas questões do Peru e Colômbia, mais tarde houve a guerra Peru e Colômbia, o Peru perdeu aquela região" (Putumayo - N. Autor).
"Nessa viagem ao Putumayo, 1912, veio o Cônsul Americano, Cônsul Inglês (Roger Casement – N. Autor) (...). Essa viagem durou um mês, tirei muitas fotografias interessantes. A caravana foi investigar as atrocidades que os brancos faziam aos índios, chegaram à conclusão que eram intrigas políticas do governo da Colômbia (...).”

Mas antes que entremos especificamente neste assunto, aproveito a oportunidade em que se re-pensa sobre a importância de Roger Casement (aqui se encontram profissionais mais qualificados para falar sobre ele), me deterei à reflexão sobre as curiosidades e metáforas sobre a relação entre a invenção do cinema e o ciclo da borracha na Amazônia. Um deles, talvez aquele que sinaliza como somos formados por intrigantes informações, estou me referindo a obra clássica “História Econômica do Brasil” de Caio Prado Júnior publicada em 1945, onde a história brasileira é contada sob o ponto de vista marxista. Em suas 366 páginas, Caio Prado Junior dedica algumas delas para analisar a economia da borracha da Amazônia, inclusive não recorre a expressão “Ciclo”, ele escreve:

“(...) A riqueza canalizada pela borracha não servirá para nada de sólido e ponderável. (...) “O drama da borracha brasileira é mais assunto de novela romanesca que de história econômica.”
 
Infelizmente esse notável historiador brasileiro conseguiu apenas reafirmar aquela máxima do Brasil visto do Atlântico, o país continental onde floresceu o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o ouro e o café, mas manteve a Amazônia à margem da história.

Em 1910, portanto, 35 anos antes da análise de Caio Prado Junior, a ativista e pensadora comunista polonês-alemã Rosa Luxemburgo, em seu livro “A Acumulação do Capital”, já havia identificado no modo e nas relações de trabalho que os ingleses estavam implementando em todo sistema produtivo e comercial na Amazônia, - a sinalização da nova estratégia de acumulação do capital. Segundo Rosa Luxemburgo, a “tigelinha” e o “machadinho” eram concebidos mediante empréstimo e os alimentos eram computados como dívida em livro-caixa contra os quais os seringueiros deviam apresentar o produto obtido. Enquanto não quitasse a dívida, o seringueiro não podia deixar a terra. A essa modalidade de dívida Rosa Luxemburgo denominou, “a escravidão do débito” - um evento capitalista do início do século XX. A dissimulada relação de domínio onde as pessoas se mantêm dependente através da dívida.

(Recentemente a economia mundial foi abalada com a aventura econômica dos “empréstimos subprime” – um eufemismo da “escravidão do débito”, antevista por Rosa Luxemburgo um século antes.)

A história da Amazônia é marcada pelo ciclo econômico da borracha, onde muitas perguntas ainda exigem respostas, alem daquelas que recorrem a simplificação dos fatos romanescos - loucura, delírio, luxúria e todas aqueles relatos que dão lhe conteúdo exótico. Como já disse faço parte das gerações de amazonenses nascidos até no final dos anos sessenta, posso dizer o quanto fomos marcados pela paisagem perturbadora deixadas pela decadência econômica da borracha.

A borracha natural continua produzindo riqueza e exercendo uma importância estratégica, ainda hoje o consumo deste produto é exponencial mais de 10 milhões de toneladas ano. O Brasil e, sobretudo os seringais extrativistas da Amazônia quase nenhuma importância tem nesta produção, apesar de ainda exercerem fascínio e referência de luta pela preservação do meio ambiente.

Continuamos despertando interesses geopolíticos, recaem sobre a nossa região o papel primordial no equilíbrio do bem estar planetário, a Amazônia é permanente assunto relacionados a ciência, economia e escândalos relacionados aos conflitos de terra e a biopirataria.

Um dos mais rumorosos episódios relacionados ao ciclo da borracha refere-se à violência praticada contra os seringueiros do Rio Putumayo. Em 1907 dois norte-americanos de 21 anos, Hardenburg e Perkins, eram engenheiros de ferrovia recém formados, resolveram conhecer alguns países da América do Sul e como prioridade escolheram navegar pelo rio Amazonas. Infelizmente Perkins pegou malária, ele e Hardenburg viram-se obrigados a pedir socorro num seringal do rio Putumayo de propriedade da companhia inglesa Peruvian Amazon Rubber Company e cujo sócio era o peruano Júlio Cesar Arana. Naquela época o Putumayo era uma região litigiosa entre o Peru e a Colômbia. Neste lugar os dois aventureiros não só presenciaram, mas como também ouviram relatos sobre a violência exercida sem piedade contra indígenas obrigados a trabalhar na coleta do precioso leite vegetal.

Esse hediondo modo produtivo fez o antropólogo Michael Taussig afirmar que os horrores da selva e da selvageria foi essencial à organização do trabalho de exploração da borracha na região do Putumayo:

“(...) crucial é entender como essas histórias operaram, através do realismo mágico, a criação de uma cultura do terror que dominava tanto os brancos como os índios”.

Mesmo antes dos escândalos relacionados ao Rio Putumayo ocupar as manchetes da imprensa mundial, os relatos de violência nos seringais, ao menos na Amazônia não era nenhum segredo, a única diferença que ninguém havia ousado registrar e denunciar. Como nos dias atuais, é muito comum alguém ter registrado algo proibido, secreto, íntimo da privacidade de alguma pessoa ou de um fato, mas não naquela época não era bem assim. O jovem norte-americano Walt Hardenburg teve a ousadia de utilizar a sua câmera fotográfica para registrar o que viu – aquele seringal era conforme comentavam seus moradores “um paraíso do demônio”. (Uma câmera fotográfica naqueles tempos não era nada fácil de se esconder, ao contrário nos dias de hoje).

Quando finalmente o relato de Hardenburg juntamente com as fotos foi publicado na imprensa européia sob o título “O PARAÍSO DO DIABO: UM CONGO COM PROPRIETÁRIOS BRITÂNICOS” causou um estrago considerável. Entre outras denúncias ele escreveu que “no Amazonas existia uma só Constituição, é a Winchester, e um só artigo, o artigo 44”, e segue uma narrativa onde descreve um macabro cenário dominados por sádicos feitores que escravizam e crucificam os insatisfeitos, assassinatos indiscriminados de mulheres e crianças, cães endemoniados alimentados por carne humana. Veja, a manchete aponta o dedo em direção ao “império britânico”.
 
E, na medida em que os responsáveis pela Peruvian Amazon Rubber Company reagiam a essas denúncias mais detalhes eram revelados, obrigando personalidades políticas, artistas e religiosas manifestarem-se. O Vaticano através do Papa Pio X, exortou as missões religiosas na América do Sul a apoiar espiritualmente os trabalhadores dos seringais. Não havia outra alternativa para o Império Britânico, buscar uma saída sem que o sangue daqueles trabalhadores atingisse as jóias da realeza.

O dedo acusador voltou-se unicamente para o parceiro latino americano, o peruano Julio Cesar Arana, como quisessem dizer, “sim a culpa é toda dele, somente ele foi o causador desta ignomínia”. Pelo lado dos ingleses foi destacado o embaixador britânico no Rio de Janeiro, Roger Casement, ir pessoalmente investigar in loco os fatos. Por seu lado, Arana (cidadão probo de Manaus, era membro ativo da Associação Comercial do Amazonas-ACA), vendo-se sozinho, foi aconselhado pelo cônsul peruano em Manaus a contratar os serviços do jovem fotógrafo Silvino Santos, este considerou que havia tirado a sorte grande, iria realizar um trabalho de vulto, segundo relata em suas memórias (inéditas). O trabalho fotográfico chegou a ficar exposto em Londres, mas não despertou nenhuma compaixão ou simpatia, o veredicto já havia sido dado, queriam a cabeça do culpado, e o culpado era um só, o peruano Julio Cesar Arana.

Arana sem ninguém para dialogar, refugia-se na Suíça aonde a sua esposa abalada pelo escândalo entrara em depressão. Ele não desiste, quer provar que é inocente e contrata Silvino Santos para fazer um estágio, em Paris, nos estúdios da Pathe-Frere e nos laboratórios dos irmãos Lumiére. Arana queria um filme que mostrasse o quanto zelava por seu patrimônio na longínqua Amazônia, a sua estratégia estava explícita em suas declarações públicas: “como poderia maltratar um trabalhador, se ele representa o bem precioso que rende lucros nos negócios?”.

Silvino Santos pareceu-lhe uma táboa de salvação, neste caso tudo aconteceu como Arana havia premeditado, mas havia um detalhe que lhe escapou, ou que não tinha como controlar, por exemplo, os complexos interesses da economia da borracha. O monopólio começava a mudar de mãos, a crescente demanda de produção e consumo descartava o látex dos seringais extrativistas da Amazônia, enquanto que os seringais cultivados na Sudoeste Asiático germinavam, produzia conforme as necessidades do mercado mundial, e melhor, não havia índios selvagens, insetos, malárias e se encontrava mais perto do complexo militar do Império Britânico. Sim, as seringueiras do sudeste asiático era fruto daquela ação de biopirataria feita em 1876 quando foram contrabandeadas 70 mil sementes de seringueira para Kew Garden.

No meio daquele cenário desesperador Silvino Santos conheceu Anita, a sobrinha de Arana. Casaram-se e foram passar a lua de mel filmando o documentário “Rio Putumayo”, era o ano de 1912. A Amazônia dava adeus ao fausto da borracha, mas por outro lado e por causa disso Silvino se tornou um pioneiro do cinema e deixou um legado que não se pode descartar jamais, é um dos únicos testemunhos fílmicos daquilo que aconteceu nesta região a partir de uma única planta do banco genético amazônico – o fausto da borracha. Ironicamente e simultaneamente o renomado defensor dos direitos humanos, Roger Casement, por conta do seu envolvimento em defesa da soberania irlandesa, era preso, perdia o cargo de diplomata, as condecorações e condenado à forca sob acusação de alta traição.

- Qual o legado de Roger Casement?

Eis uma pergunta que terá resposta ao longo deste Simpósio, mas já sabemos que sua a morte não foi em vão. Desde as conquistas da Irlanda em direção a sua emancipação como também passado mais de um século o seu relato sobre o trabalho escravo na Amazônia é uma referência permanente, e por mais incrível que pareça esta realidade é também recorrente, muitas daquelas denúncias de maus-tratos continuam a assombrar nosso cotidiano.

Ao cruzarmos a linha do tempo constatamos que a escravidão foi abolida do mundo, ao menos oficialmente, ninguém mais, governos ou empresas se arvoram em declararem-se escravagistas, mas ainda, fontes oficiais afirmam existir esta prática violenta em se acumular riqueza. A estimativa alcança mais de 25 milhões de escravos no mundo, distribuídos pelos continentes do planeta.

Seguindo aquele raciocínio analítico de Rosa Luxemburgo quando denomina de “escravidão do débito” a exploração da borracha amazônica, não foi coincidência o estado de o Amazonas ter abolido a escravidão quatro anos antes da Lei Áurea de 1888. Um dos fatores que impulsionaram que este fato acontecesse antecipadamente do resto do país foi à exploração da borracha, não havia meios que pudesse impedir os trabalhadores-escravos procurar a sua liberdade embrenhados na selva. 

Somava-se ainda a diminuta mão-de-obra local, somente a população indígena não dava conta da demanda crescente da coleta do látex que cada vez se distanciava das margens dos rios para serem localizadas no meio da floresta. Logo se encontrou uma solução, foi enviado mais de 150 mil nordestinos atingidos pelas secas prolongadas aos seringais extrativistas. Outra coincidência a maioria eram do Ceará, justamente o estado brasileiro que junto com o Amazonas havia abolido oficialmente a escravidão.

Passado mais de um século os interesses de uma economia predatória continuam a ameaçar a existência desta floresta, mas como já disse multiplicou-se também a consciência em sua defesa. Surgiram expressivos líderes como Chico Mendes e Marina Silva, acreanos descendentes daquelas centenas de milhares de nordestinos que vieram coletar borracha no Acre, um território conquistado (à revelia do governo central) pelos seringueiros contra a presença da Bolivian Syndicate, uma organização multinacional que tinha como estratégia criar um enclave empresarial na Amazônia. Tanto Chico Mendes como Marina Silva, um como o outro, conheceram nos seringais "a mais criminosa organização de trabalho", segundo Euclides da Cunha.

Em 1988, Chico Mendes foi assassinato por conta da sua luta em defesa da floresta amazônica, enquanto Marina, hoje é a primeira candidata à presidência da Republica nascida e crescida na Amazônia. Mesmo que a sua chance de vitória seja mínima, não será irrelevante o seu protagonismo quando se pensa que desta vez a Amazônia não ficará à “margem da história”, e por alguns meses o Brasil de Norte a Sul, Leste e Oeste direta e indiretamente ouvirá sobre as questões relacionadas a esta região.

Esta é uma oportunidade para relermos sem perplexidades aquela cinematográfica e metafórica descrição feita por Euclides da Cunha sobre um costume festivo nos seringais e que lhe inspirou um dos textos mais instigantes da situação dos seringueiros - JUDAS AHSVERUS. “A malhação do Judas” é uma celebração religiosa realizada no sábado de aleluia. O Judas é representado por um boneco de pano e exposto pendurado num poste ou árvore, como fosse um enforcado. É xingado sistematicamente por quem o vê, apedrejado e espancado a pauladas até ser queimado. Mas aquele boneco visto por Euclides não era outro qualquer, mas a própria figura do seringueiro. Euclides descreve o boneco estropiado boiando à deriva rio abaixo. Destino esse que Chico Mendes e Marina Silva conseguiram reverter, um como outro, encontram-se na terra firme da história.

Numa certa medida “JUDAS AHSVERUS” foi à maldição que marcou também a trajetória de Roger Casement, desde a sua postura de lutar em defesa dos direitos humanos (na África e na Amazônia), mas, sobretudo por ter tido a coragem em afirmar suas origens e lutado pela soberania da Irlanda. E por isso foi ultrajado, acusado de promíscuo, renegado, preso e enforcado e colocado à deriva por muitas décadas até ser resgatado pelos historiadores depois de um século de controvérsias.

O mesmo não se pode afirmar sobre o resgate do cineasta pioneiro Silvino Santos, ele que filmou as imagens da fauna e flora da Amazônia que podemos assistir em seus documentários, muitas daquelas espécies atualmente encontram-se em extinção ou ameaçadas, por exemplo, a sumaumeira (recordam daquela fotografia do laboratório improvisado na selva) é uma delas. Recordem-se daquelas tomadas da pesca de peixes-boi e pirarucus? Elas, por si só revelam a abundância e a generosidade da biodiversidade amazônica. E Manaus? A paisagem aquático-urbana desta cidade com seus igarapés e pontes, hoje se encontram aterrados. O mesmo acontece com a construção da hidrelétrica no rio Madeira que fará submergir as corredeiras e cachoeiras do salto de Santo Antonio, em Rondônia, justamente aonde Silvino, em 1918, filmou numa panorâmica de quase 360º aquele espetacular fenômeno natural.

Tudo isso é fato, não é ficção.

Silvino Santos, apesar disso e ter sido assunto de teses acadêmicas, no Brasil e no exterior, ou de termos realizado, em 1997, a sua cinebiografia - “O Cineasta da Selva”, mesmo assim não foi o suficiente para fazer com que o seu derradeiro relato memorialístico “Romance da Minha Vida”, um manuscrito de 160 páginas escrito no calor da sua redescoberta, em 1969, merecesse uma edição. Nós sabemos, ele encontra-se prestimosamente guardado no Museu Amazônico, mas já se faz tarde, é urgente libertá-lo da maldição Judas Ahsverus.
A História, todos nós haveremos de concordar, é uma deusa caprichosa, escreve certo por caminhos e interpretações labirínticas.

Manaus, 24 de agosto de 2010/ São Paulo, 10 junho de 2011.

NOTAS

(1) O Cineasta da Selva (The Filmmaker of the Amazon). Dir. Aurélio Michiles
35 mm, cor e p/b, 87 min., Brasil, 1997.
O Cineasta da Selva é um filme documentário que conta a vida de um garoto (Silvino Santos, 1886-1970) que sempre sonhou em conhecer a Amazônia e acabou se transformando num mito da selva.
(2) Romance da Minha Vida, Silvino Santos, (manuscritos inéditos, 1969). Museu Amazônico, Manaus-AM.
Bibliografia Consultada
1. A Árvore que Chora: O Romance da Borracha (The Weeping Wood), Vicki Baum. Porto Alegre, Ed. Globo, 1946.
2. À Margem da História, Euclides da Cunha, São Paulo: Cultrix/INC/MEC, 1975..
3. Euclides da Cunha e o Paraíso Perdido, Leandro Tocantins. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
4. Seringal e o Seringueiro, Arthur Cezar Ferreira Reis, 2º Edição. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1997.
5. A invenção da Amazônia, Neide Gondim, São Paulo: Marco Zero, 1994.
6. Jaque al Barón - La historia del Caucho en la Amazonia (The river that god forgot), Richard Collier. Peru-Lima: Centro Amazónico de Antropologia y Aplycación Práctica, 1981.
7. The Amazon Journal of Roger Casement, Angus Mitchell, London: Anaconda Edition Limited, 1997.
8. The thief at the end of the world – Rubber, Power, and the seeds of the empire (O ladrão do fim do Mundo), Joe Jackson, 2008;
9. A acumulação do capital, Rosa Luxemburgo; São Paulo: Abril Cultural, 1984 (coleção Os Economistas).
10. A história econômica do Brasil, Caio Prado Junior. São Paulo: Brasiliense, 1945.
11. A luta pela Borracha no Brasil- Um estudo de história ecológica, Warren Dean; São Paulo: Nobel, 1989.
12. Shamanism, Colonialism, and the Wild Man: A Study in Terror and Healing, Michael Taussing. Chicago: University Of Chicago Press; 1987.
13. Fordlândia – Ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva, Greg Grandin. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
14. Cinzas do Norte (Ashes of the Amazon) / Milton Hatoum. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
15. No Rastro de Silvino Santos, Selda Vale da Costa e Narciso Julio Freire Lobo. Manaus: SCA/Edições Governo do Estado-AM, 1987.

domingo, 25 de setembro de 2011

EXPOSICÃO ALEM DA MATÉRIA


Artista amazonense será destaque em exposição em São Paulo

01 Set 2011 . 07:53 h . Manuella Barros . portal@d24am.com

Ele dividirá o espaço com nomes consagrados como Ana Moser, Arnaldo Antunes, Eduardo Suplicy, Jorge Mautner, Leona Cavalli, Marina Person, Maria Fenanda Cândido e Marcelo Rosenbaum.

Manaus - O amazonense Aurélio Michiles é um dos homenageados da exposição dos objetos da coleção ‘Além da matéria’, que inaugura no próximo dia 12, na tradicional pizzaria Primo Basilico, em São Paulo. Ele dividirá o espaço com nomes consagrados como Ana Moser, Arnaldo Antunes, Eduardo Suplicy, Jorge Mautner, Leona Cavalli, Marina Person, Maria Fenanda Cândido e Marcelo Rosenbaum.

Segundo a curadora da mostra, Kita Flórido, as pessoas escolhidas, cada uma na sua área, contribuiram de alguma forma para o ser humano ser melhor.Ela revela que foi solicitado dos homenageados um objeto particular com valor simbólico e histórico, algo capaz de emocionar pela riqueza humana que carrega. “Durante a exposição, o público vai descobrir as informações conforme forem interagindo com um catálogo digital. No entanto, não se trata de uma apresentação de objeto, é uma questão de curiosidade”, comenta a curadora. “Não tem nada óbvio, não se busca mitos, tudo é inusitado e com detalhes”.

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sábado, 24 de setembro de 2011

EXPOSIÇÃO: COLEÇÃO ALÉM DA MATÉRIA





FRAGMENTO ARQUEOLÓGICO


"Ao quebrar a palavra arqueologia no original em grego podemos chegar a “discurso antigo”, ou “estudo do poder”. Na raiz da palavra está presente o conceito de arqueologia afetiva, algo que vai além de estudar fragmentos para descobrir a história de antigas civilizações.


Registros da ocupação humana da Amazônia datam de aproximadamente 20.000 anos, muito antes da chegada do homem europeu. Já havia na selva culturas, memórias e histórias. Um passado que hoje parece cada vez mais esquecido, talvez condenado a desaparecer.


O fragmento arqueológico, contribuição de Aurélio Michelis, é ao mesmo tempo arqueologia afetiva de Aurélio e resgate do passado pré-colombiano de sua Amazônia natal. A peça, junto com diversas outras, foi doada a Aurélio, menino curioso, pelo padre da paróquia onde ele era coroinha. Sem entender a importância e o significado dos objetos que recebeu, o menino cresceu e construiu outras memórias. Foi estudar em Brasília, formou-se arquiteto, mas não perdeu contato com Manaus, a cidade em que nasceu e onde seus pais continuaram vivendo.


Nos últimos dias de vida do pai, Aurélio, ao lado do filho e da esposa, foi visitá-lo. Em um estado já avançado de Alzheimer, o velho perguntou à mãe de Aurélio quem era aquele homem. Para consolar o filho e relembrá-lo do amor que o pai tinha por ele, a mãe de Aurélio resgatou uma mala de objetos que haviam ficado esquecidos. Nessa hora a arqueologia afetiva se uniu à história milenar dos povos amazônicos.


Dentro da mala, entre diversos objetos pessoais da infância, estavam os fragmentos arqueológicos. Depois de pesquisar a origem dos objetos, Aurélio Michiles descobriu que eram pedaços de urnas funerárias indígenas. Ficou marcada a discrepância entre o capitalismo desenfreado que sempre viu a Amazônia como um vasto território inabitado e as culturas dos povos pré-colombianos.


Por hora, o Alzheimer racional que acomete nossa sociedade opta por passar por cima da sabedoria dos que habitam e habitavam a selva. Ao contrário do pai de Aurélio que se esqueceu do passado sem saber, o desprezo coletivo pela arqueologia dos povos tradicionais é deliberado e quase premeditado.


Aurélio Michiles, cineasta, documentarista, diretor de "O Cineasta da Selva". Sempre em busca de vestígios, não só arqueológicos, mas da arqueologia do saber, da afetividade.


Como um arqueólogo de imagens, os filmes de Aurélio Michiles contam histórias reais de grandes figuras do cinema, de lugares e utopias, passando muitas vezes pela Amazônia e a sabedoria ancestral contida na selva."

terça-feira, 20 de setembro de 2011

GLAUBER ROCHA: A CONQUISTA DO AMAZONAS


No final de 1965, tinha 13 anos. 

O cineasta Glauber Rocha desembarcou em Manaus, é possível que tenha sido o maior acontecimento no meio cultural da cidade. 

Foi há muito tempo. Quase 50 anos atrás. Dele pouco sabia, havia sido levado pelo Beto, meu irmão mais velho, querendo me conscientizar das questões sociais do Brasil me fez assistir o filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Ainda me lembro muito bem daquela tarde no cine Avenida, é algo que continua fresca na memória.

Logo na entrada do Cine Avenida o cartaz do filme me chamou a atenção, achei belíssimo, um sol enorme sobreposto pelo rosto do cangaceiro com as cores vermelha e amarelo e o título: 

“DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL”.

Era um título irreverente para os padrões morais no qual vinha sendo educado, na minha casa não se podia falar essa palavra: "diabo"

Assim que começou o filme comentei com o meu irmão, “o filme é preto e branco”. E quanto mais o filme avançava mais ficava arrebatado, mesmo que em determinadas cenas ficasse sem saber o quê realmente ele queria dizer. Na primeira sequencia um sertanejo ao reagir a agressão do seu patrão-fazendeiro mata-o a golpe de facão. A música cresce, épica e nos leva a solidarizar-se com atitude daquele personagem. Em outro momento quando se ouve a musica tema “o sertão vai virar mar, o mar vira sertão/ está contada a minha historia verdade imaginação...”, a adrenalina se espalha pelo corpo sob o forte impacto da forte voz de barítono do cantor (Sergio Ricardo). ...Surge o sinistro personagem do Antonio das Mortes aquilo me pareceu um dos sete cavaleiros do apocalipse, deu medo e empatia:

“-Te entrega Corisco!" 
"-Não me entrego não!”


"Égua, o que é isso?" Foi o que pensei.

Quando o filme acabou saí com uma sensação que havia descoberto o Brasil.

Naquela época aparentemente os manauaras viviam alheios, como estivessem numa ilha, ao largo do “continente Brasil”. Mesmo que tivéssemos uma forte influência nordestina, desde o final do século XIX com a imigração que veio se mesclar com a cultura indígena, conhecíamos a fome somente através das reportagens e da literatura, por exemplo: “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, “Os Sertões” de Euclides da Cunha

A fome para nós amazonenses só existia somente lá na caatinga, no agreste dos cangaceiros Lampião e Maria Bonita.

Parte deste imaginário nos era alimentado através de um algum parente que havia chegado à floresta amazônica fugindo da seca. E no meu caso foram os meus avós maternos: Joaquim Cândido e Inês Balbina de Oliveira.

Particularmente naquele tempo, mesmo que ainda não tivesse desenvolvido uma consciência política sobre qualquer tipo de crítica ao modelo político-econômico, intuíamos o quanto era perigoso comentar sobre a miséria e a fome do povo brasileiro... dava cadeia. Éramos salvos pela coragem de algum professor ou familiar que faziam referências através da literatura: “Geografia da Fome” de Josué de Castro, mas isto era como fosse um assunto entre membros de uma seita secreta. Não sabia que arte e a política iriam despertar esse sentimento de movimento transgressor ao longo da minha vida ou da minha geração.

Em pleno golpe militar de 1964 o governador escolhido como interventor foi um intelectual amazonense (alinhado à direita), cuja especialidade em suas pesquisas era a Amazônia, ele se chamava Arthur César Ferreira Reis, um “amazonólogo”. Era assim mesmo que ele era identificado. Um dos best-sellers daquela época foi justamente um dos seus livros: “A Amazônia e a Cobiça Internacional”. Paradoxalmente, foi justamente neste governo inconstitucional que aconteceu no Amazonas uma espécie de "renascença cultural", intelectuais e artistas eram celebrados como nunca haviam sido.

AMAZONAS, AMAZONAS

Por exemplo, Glauber Rocha foi convidado pelo governo do estado para fazer um documentário “turístico-institucional” e que tinha como título original:

"A Conquista do Amazonas"

No mínimo estranho pareceu-lhe este convite, o seu talento como cineasta já era reconhecido internacionalmente com uma filmografia que refletia sobre o nordeste brasileiro - o seu povo e a suas crenças. Os filmes “Barravento” e “Deus e Diabo na Terra do Sol” haviam ganhado prêmios e ele próprio ainda aos 24 anos, já era reconhecido como um dos mais talentosos cineastas do mundo. Havia escrito a primeira versão do roteiro do próximo projeto um filme que enfocaria o poder latino-americano do ponto de vista urbano: “Terra em Transe”.

Mas, Glauber encontrava-se diante de outro inusitado e inesperado projeto, filmar a selva amazônica e as suas “vistas encantadoras, o exótico e pitoresco dos cartões postais.

Verdadeiramente, o jovem Glauber, em 1966, ao 25 anos, neste aspecto não se diferenciava da maioria dos brasileiros, a Amazônia era um lugar que ele desconhecia completamente, nunca lhe havia passado por sua cabeça incluir em suas reflexões essa região. Mas para quem havia saído da cadeia por ter se envolvido numa manifestação contra o ditador-presidente Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, nada mal um retiro naquela longínqua região brasileira, e ainda mais ganhando uma grana para não somente pensar sobre o seu próximo longa-metragem, mas também ficar um pouco fora do eixo das exposições do jogo político contra a ditadura. 

A imprensa amazonense celebrou a chegada do “do mais afamado cineasta brasileiro”.

Entre as filmagens em Manaus, arredores da cidade de Manaus e Itacoatiara, Glauber topou fazer um bate-papo no Cine Clube GEC - Grupo de Estudos Cinematográficos e que tinha nada menos este título:

“A IMPORTÂNCIA DO CINEMA COMO LINGUAGEM NA COMUNICAÇÃO ENTRE OS POVOS, A FORMAÇÃO DO CINEMA BRASILEIRO, SUA NECESSIDADE COMO EXPRESSÃO FUNDAMENTAL DA NOSSA CULTURA E OS ÊXITOS ALCANÇADOS PELO CINEMA NOVO”.

Acreditem se quiserem.



Depois da exposição Glauber viu-se diante de ouvintes que questionaram os objetivos reais da sua estada em Manaus entre outras indagações, perguntaram-lhe por que realizar um filme institucional ou “o quê tu achas do marxismo?”

Glauber, apesar de jovem tinha um discernimento de quem já havia vivido séculos, portanto um gato escaldado, convidado oficial e diante daqueles jovens e inquietos esquerdistas amazonenses, considerou a pergunta uma provocação e respondeu-lhes:

“- Uma merda”.

Enquanto como num plano sequencia desmontava pacientemente uma caixa de fósforos, sem mesmo encarar a platéia.

Glauber desconhecia absolutamente a Amazônia e a sua realidade, tudo que sabia nada mais era do aquilo que as pessoas em geral também sabiam. 

A Amazônia dos crocodilos, araras, índios selvagens e o rio Amazonas, era o quê ele escrevia nos "cartões postais" enviados a sua filha Paloma, aí fica muito claro o domínio desta realidade imaginada. Para Glauber fora as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, metrópoles marcadas pela modernidade econômica e arquitetônica o restante do Brasil compunham o barroco brasileiro. Tal foi a sua surpresa quando desembarcou naquela Manaus anos 60, art nouveau.


O DIA QUE ENCONTREI GLAUBER

Numa oportunidade única tive outro encontro com Glauber, desta vez nossos caminhos se cruzaram em Lima-Peru (1973). Encontrava-me percorrendo de carona a América do Sul, vinha do Chile-Allende e no Peru-Alvarado, aí encontrei Glauber, ao acaso na Praça do Sol, no bairro de Miraflores, foi quando passamos uma semana juntos ouvindo falar pelos cotovelos feito uma metralhadora. Glauber havia passado pelo Chile, vindo de Paris, Roma, Cuba. Pensava realizar um filme com Norma Benguel. Encontrava-se revisitando a memória nacional ao vivo, tinha estado com Luis Carlos Prestes em Moscou, com Miguel Arraes na Argélia, João Goulart no Uruguai e tantos outros personagens que marcaram a história brasileira no século XX.

Ele se encontrava zerando todos seus conflitos e dissabores com a política brasileira, seja a esquerda ou a direita, queria compreender por que um país como o nosso com tantas oportunidades históricas ainda não havia dado certo?

Logo que soube que era amazonense ele comentou sobre “Amazonas, Amazonas” e para minha perplexidade afirmou ter sido uma das melhores experiências da sua vida, aquele que colaborou para compreender o Brasil. Ao final levou-me para conhecer Darcy Ribeiro e Berta Ribeiro, antes que nos despedíssemos ainda tive a chance em lhe afirmar o quanto tinha significado aquele nosso encontro nos Andes. 

Dois meses depois, retornado ao Brasil quando desembarcava no aeroporto de Brasilia, vindo de Manaus sou sequestrado e preso pelos orgãos de repressão militar aonde sou obrigado a explicar o inexplicável, por exemplo porque havia encontrado com Glauber Rocha e Darcy Ribeiro no exterior? Eles, não levaram a sério a minha resposta:

"- Por puro prazer."

(palestra: CICLO DE CINEMA E PSICANÁLISE - América Latina Sem Fronteiras, 22 maio a 16 outubro 2011- Cinemateca Brasileira, São Paulo)

"Livre-pensar é só pensar" Millor Fernandes

www.tudoporamoraocinema.com.br

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Nasceu em Manaus-AM. Cursou o Instituto de Artes e Arquitetura-UnB(73). Artes Cênicas - Parque Lage,RJ(77/78). Trabalha há mais de vinte anos em projetos autorais,dirigindo filmes documentários:"SEGREDOS DO PUTUMAYO" 2020 (em processo); "Tudo Por Amor Ao Cinema" (2014),"O Cineasta da Selva"(97),"Via Látex, brasiliensis"(2013), "Encontro dos Sabores-no Rio Negro"(08),"Higienópolis"(06),"Que Viva Glauber!"(91),"Guaraná, Olho de Gente"(82),"A Arvore da Fortuna"(92),"A Agonia do Mogno" (92), "Lina Bo Bardi"(93),"Davi contra Golias"(94), "O Brasil Grande e os Índios Gigantes"(95),"O Sangue da Terra"(83),"Arquitetura do Lugar"(2000),"Teatro Amazonas"(02),"Gráfica Utópica"(03), "O Sangue da Terra" (1983/84), "Guaraná, Olho de Gente" (1981-1982), "Via Láctea, Dialética - do Terceiro Mundo Para o Terceiro Milênio" (1981) entre outros. Saiba mais: "O Cinema da Retomada", Lucia Nagib-Editora 34, 2002. "Memórias Inapagáveis - Um olhar histórico no Acervo Videobrasil/ Unerasable Memories - A historic Look at the Videobrasil Collection"- Org.: Agustín Pérez Rubío. Ed. Sesc São Paulo: Videobrasil, SP, 2014, pág.: 140-151 by Cristiana Tejo.